domingo, 7 de junho de 2015

tinta despedaçada

Rasguei-te as folhas imersas em palavras impregnadas de tinta de ti.

Houvesse livro de cabeceira mais lido, mais revisto, mais posto de lado... Mas não havia. Todos os outros livros tinham sido lidos uma vez (ou vezes sem conta, que de nada isso interessa) e colocados na prateleira por ordem de tamanho (como sempre faço).

Confesso que este li, reli, soube trechos de cor. Relembrei passagens de olhos fechados e sorriso aberto. 
Evitava sempre chegar ao último capítulo, de tão indefinido e aberto que estava. 
Alguém apagara as últimas linhas, as respostas que se deviam ao leitor e às personagens em jogo. Cabia-me a mim decidir o final suspenso numa borratada qualquer.

Larguei o livro milhentas vezes e milhentas vezes o voltei a ler, na esperança da ultima página aparecer traçada pela tinta do vento ou de algum elemento a que desse vontade de o acabar.

Li então de olhos fechados, passando os dedos pelas páginas e palavras e histórias e diálogos que sabia de cor mesmo não os querendo lembrar.
Com palavras impressas na memória de quem não quer esquecer.

Mas o esquecimento é coisa humana e é por isso que existem as palavras carregadas a tinta em folha de papel em branco. 

E fim só é fim com um ponto final,
naquele pedaço de tinta com 
a doçura do escritor
a atenuar 
a ignorância do leitor. 

Senti o sol desaparecer e a última página a chegar... E rasguei-a em pedaços tão pequenos que qualquer um deles seria o ponto final que faltava.

E então arrumei-te. 
Ordenado por tamanho,
como todos os outros
(como sempre faço).


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